segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

A contribuição de Rashi ao estudo do Talmud e da Bíblia.

O Talmud Babilônico abrange um conteúdo vastíssimo e extremamente complexo, de dificil compreensão, além desse aspecto a Guemará foi escrita em Aramaico sem pontuações, também freqüentemente encontram-se interpolados trechos não diretamente relacionados com o tema principal em discussão, além de que os erros de copistas acumularam-se ao longo de inúmeras gerações.

Rashi, quando estudou na academia do rabino Guershom de Mainz, teve acesso à uma cópia do Talmud corrigida e aceita como definitiva, que este havia elaborado. Em seus comentários Rashi costuma esclarecer o significado de um trecho ao expor uma outra forma em que ele teria sido escrito, mas nunca alterando o próprio texto do Talmud. Rashi então empenha-se no esclarecimento do texto dando sentido à discussão, conceituando palavras, e definindo questionamentos e afirmações.

Os comentários de Rashi tornaram o Talmud compreensível e exerceram um papel fundamental para as gerações posteriores e mantiveram a vitalidade da Bíblia. Ao disponibilizar suas interpretações sobre os textos antigos Rashi abriu caminhos para milhares de pessoas, tanto leigos como eruditos, pois sem sua contribuição os livros básicos do judaismo, mercê de sua dificuldade, intimidariam aqueles que se dispusessem a estudá-los.

Rashi comentou quase todos os tratados do Talmud, excetuando-se aqueles que não tem Guemará. Também não foram completamente comentados por ele os tratados de Bava Batra e Macot.

A importância dos comentários de Rashi para o estudo do Talmud e da Bíblia foi foi tão essêncial que praticamente todas as edições destas obras os apresentaram ao lado de seu texto específico, possibilitando aos estudiosos a compreensão destes textos sagrados, em qualquer momento, ao longo destes 904 anos decorridos desde sua morte.

Chidúsh: analisar sob uma nova luz, o segredo da permanência do judaismo.

Manter-se significativo, em qualquer época, é a tarefa que o judaismo tem realizado com sucesso em mais de três mil anos, não se deixando cristalizar mas sem trair sua essência, possibilitando que se possam auferir benefícios de "novas" idéias e reflexões, na linguagem adequada a cada tempo, mas sempre obtidas de seus antigos textos.

Qual é o milagre responsável por esta característica? Os comentaristas sempre procuraram um "chidúsh", ou seja dar à luz algo novo, uma "nova" interpretação, analisar um texto sob uma nova luz. Segundo a tradição cada judeu nasce para descobrir, pelo menos, um novo "insight" à compreensão da Torá, para assim dar sentido à sua vida.

Com este enfoque, sempre surgiram comentários com novas interpretações, que chamaram a atenção por sua habilidade ao expor conceitos modernos, que ofereceram sentido à textos que aguardaram por uma compreensão durante séculos.

Evidentemente um dos segredos da longevidade do judaismo deveu-se à essa habilidade de seus estudiosos para encontrar, em qualquer tempo e lugar, maneiras novas e criativas de transmitir sua mensagem de forma atraente, fazendo com que seus ensinamentos permanecessem vivos atravez dos séculos.

domingo, 28 de dezembro de 2008

O maior dos mestres judeus foi um vitivinicultor francês.

Entre os maiores mestres judeus de todos os tempos, senão o maior, encontra-se um vitivinicultor francês (cultivador de vinhas e fabricante de vinhos), que produziu alguns dos mais famosos vinhos franceses. Tal como os vinhos, que produziu, suas obras de erudição foram se tornando melhores e continuam sendo mais e mais reverenciadas com o passar dos anos.

O Rabi Shelomo ben Its'chac, mais conhecido pelo acrônimo Rashi, nasceu no ano de 1040 em Troyes, França, quase na fronteira com a Alemanha. Estudou com o rabino Isaac Halevi em Worms, e depois no principal centro de estudo talmúdico da épóca, em Mainz, com o rabino Jacob ben Iacar, que fora discípulo do grande rabino Guershom.

Rashi percorreu ainda vários centros de estudo talmúdico antes de reestabelecer-se em Troyes onde iniciou sua própria academia, além de atuar como vitivinicultor e produzir sua monumental obra. Como pôde escrever tanto? Explica-se que ele foi abençoado com três filhas, que conheceram profundamente a Bíblia e o Talmud, e que atuaram como suas escribas. As três filhas casaram-se com três de seus discípulos e alguns de seus descendentes tornaram-se, por sua vez, importantes eruditos.

Há séculos os estudiosos vem se surpreendendo com a magnitude das obras de Rashi, desde o longo e contínuo comentário sobre tôda a Bíblia, e que por essa razão tornou-se a primeira óbra judaica impressa em 1475, até o exaustivo trabalho esclarecedor e altamente erudito sobre o Talmud da Babilônia.

Rashi revelou-se um notável professor, pois em cada comentário, seja qual for a densidade de seu conteúdo, foca com precisão a dúvida que assalta o leitor e com estilo perfeito, sucintamente, adota os melhores princípios da arte da educação para seu esclarecimento, em hebráico claro e conciso.

Em 1095 foi organizada a primeira Cruzada e aconteceram perseguições aos judeus da França, que atormentaram os últimos anos de Rashi, que veio a falecer em 13 de julho de 1105.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Os Amoraítas, a Guemará, a Agadá e o Talmud Babilônico,

Com a transferência da erudição rabínica para a Babilônia criaram-se academias de estudo nas cidades de Sura, Nehardea e Pumberdita, onde, do século II ao V da EC, o estudo e debate da Mishná tornou-se a atividade preponderante dos sábios, tendo início a era dos Amoraítas (amar = falar, interpretar). Os sábios recebiam o título de Rav e não de Rabi, porque não haviam sido ordenados oficialmente na Palestina.

Os debates entre os sábios Amoraitas babilônicos estabeleceram uma nova metodologia de estudo da Mishná, criando outra forma de erudição ao adotar o debate e não a simples repetição do conteúdo textual, onde ele passa a ser um ponto de partida para a discussão, análise e pesquisa de material correlato não incluido originalmente, procurando-se, por meio de análises mais acuradas do texto existente, o enfoque sob novos e diversos ângulos de interpretação, confrontando e conciliando entre sí as diversas fontes utilizadas.

Rav Ashi, durante a sexta geração dos Amoraitas babilônicos, começou a compilar o material legal (Halachá) e o histórico (Agadá) que resultara dos debates, trabalho que teve continuidade com seu sucessor Ravina e com os Savoraítas (expositores) nos dois séculos seguintes. Este registro denominou-se Guemará (Guemar = aprender, completar), e juntamente com a Mishná compõem o Talmud Babilônico (Lamod = estudo + Torá), onde a Mishná é o texto, e a Guemará é o comentário.

A redação final do Talmud nunca foi atribuida à nenhum erudito, portanto é dito que o "Talmud nunca terminou", o que implica que seu estudo nunca deixou de se desenvolver.

Os Amoraítas legaram ao povo judeu um instrumento dinâmico, o Talmud, que se demonstrou uma potente metodologia para o estudo, a análise e a derivação de leis, tornando-se com o correr do tempo responsável por sua capacidade de adaptação e sobrevivência no agressivo ambiente da Galut (a diáspora, dispersão).

Os chefes das academias na Babilônia foram reconhecidos também como representantes políticos da diaspora do povo judeu, recebendo o título "Gaon" (plural = Gueonim), e estiveram em evidência de 598 à 1038 EC.

Da Palestina para a Babilônia!

Quando Rabi Iehudá Hanassí, aproximadamente no ano 200 E.C., compilou a Mishná com o registro da tradição oral conforme transmitida pelos Tanaim, deixou fora de sua seleção um extenso material, parte do qual posteriormente foi recolhido por seus discípulos, os rabinos Hiya e Oshaia, que o denominaram Tossefta (adição).

Também nessa mesma época foram escritos os livros que registraram o Midrash Halachá (a derivação de leis da Torá escrita, por meio de análise e interpretação de seu texto, de acordo com regras exegéticas pré-definidas).

Todos os registros do material de origem tanaítica (
Tanaim, eruditos rabínicos), e das leis isoladas, que não foram compilados na Mishná, são conhecidos coletivamente como Beraitot (ensinamentos de fora).

Após a morte do
Rabi Iehudá haNassí (Judá, o Príncipe) do San'hedrin (a Suprema Corte), ocorreu um enfraquecimento político da Palestina, e o fulcro da erudição rabínica transferiu-se para a Babilônia.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Por que os judeus nunca serão dominados pelo "fundamentalismo"?

Cumprir uma regra útil, cegamente de forma automática, sem considerar as transformações circunstânciais que possam ter ocorrido e prejudicado seu objetivo, é trair o princípio básico da lei, da sua essência, do seu espirito. É proceder como um animal irracional, é desprezar a capacidade intelectual que D'us deu ao homem, já que o fez à sua imagem e semelhança, ou seja, é trair ao próprio Eterno!

Quando Rabi Iehuda haNassi, tendo em vista a perseguição e consequênte dispersão dos judeus, determinou que a Mishná fosse escrita, transgrediu uma regra útil, porém menor, para que algo maior e prioritário fosse respeitado, o estudo adequado da Torá por todos os judeus.

Acontecimentos semelhantes ocorreram diversas vezes na história judaica, pois o judaismo não é extático, cristalizado, fossilizado, é um modo de vida dinâmico, em que seus eruditos debatem, analisam, decidem e ensinam como ser judeu obediente ao cerne dos ensinamentos da Torá, em qualquer época e sob qualquer circunstância nova!

Por essa postura, característica do judaismo, o fundamentalismo cégo, torpe e bestial jamais vicejará em seu povo!

Mas por favor, jamais entenda estas palavras como uma licença, pretexto ou incentivo, para que uma pessoa individualmente ou a seu bel prazer, para satisfazer seus impulsos ou idéias, altere ou abandone o cumprimento de uma mitzvá ou ensinamento da Torá.

Apenas os eruditos da Torá, com autoridade adequadamente reconhecida pelas instituições, podem coletivamente, após exaustivos estudos e debates, determinar qualquer alteração, por mais insignificante que possa parecer, no cumprimento da Lei.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Mas se a Torá Shebeal Pê (a Torá Oral) não deveria ser escrita, por que o foi?


Quando no ano judaico de 2448 o povo judeu recebeu a Torá Shebichtav (a Torá Escrita),
Moisés também recebeu a sua regulamentação: a Torá Shebeal Pê (a Torá Oral), que com o tempo transmitiu oralmente à Josué, que por sua vez, transmitiu-a aos líderes da geração que o sucedeu, e assim durante gerações se fez, sempre por transmissão oral, até a época do domínio pelos romanos.

Com a destruição do "Beit haMikdash" (o Templo), a perseguição e a "Galut" (a dispersão) dos judeus pelo mundo, Rabi Iehudá haNassí (Judá, o Príncipe) do San'hedrin (a Suprema Corte) sabiamente compreendeu que a transmissão oral
tornara-se inviavel, e com o passar do tempo haveria o risco de perder-se ou ter-se partes dos ensinamentos corrompidas, com o conseqüênte desenvolvimento de várias versões da Torá Shebeal Pê (a Torá Oral).

Aproximadamente no ano 200 E.C. (Era Comum = D.C.)
Rabi Iehudá Hanassí compilou o primeiro texto com o registro da tradição oral, conforme transmitida pelos Tanaim, eruditos rabínicos (Taná = aquele que estuda, repete e ensina), à que denominou Mishná (repetição).

Assim ao menos as palavras dos eruditos poderiam acompanhar os judeus na diáspora, já que eles mesmos não poderiam estar em todos os lugares. É consenso que, se a Mishná "limitou" a
Torá Shebeal Pê (a Torá Oral) à forma escrita, por outro lado permitiu que os estudos de seus ensinamentos pudessem ter continuidade e portanto assegurou a sobrevivência do povo judeu.

A
Mishná
está dividida em seis Sedarim (ordens):

1) Zeraim
(sementes) - leis agrícolas, alimentares e bençãos.

2) Moêd
(festividades) - leis das festividades, do Shabat (sábado) e dos dias de jejum.

3) Nashim
(mulheres) - leis do casamento, adultério, divórcio e relações sexuais.

4) Nezikim (danos) - leis civis e penais.

5) Kodashim (objetos sagrados) - leis do Templo.

6) Tahorót (pureza) - leis da pureza ritual.

domingo, 7 de dezembro de 2008

A Torá Shebeal Pê (A Torá Oral) - Para que Torá Oral? A Torá Escrita não era suficiente?

O texto de uma lei deve expressar, de forma inequívoca e sucinta, o princípio básico que ela determina. Entretanto o princípio básico por si só, muitas vezes, não esclarece o “modus operandi” pelo qual será colocado em prática, nem as diferentes circunstâncias que, eventualmente, poderão interferir na forma do cumprimento da lei.

Torna-se necessária a “regulamentação” da lei, ou seja, a definição das normas que orientarão seu cumprimento em qualquer circunstância e mesmo assim, algumas vezes, a questão ainda deve ser submetida à um tribunal para que este analise os aspectos inéditos, assegurando-se de que o princípio básico esteja sendo realmente obedecido.

Este procedimento envolve a “interpretação” da “letra” para conformar-se ao “espirito” da lei, e é uma decisão que sempre terá a mesma “qualidade” daqueles que julgam.

Obviamente, para homogenizar os procedimentos interpretativos e assegurar a uniformidade é que foi dada, juntamente com a Torá Shebichtav (a Torá Escrita), a “regulamentação” ou seja a Torá Shebeal Pê (a Torá Oral), que explica os detalhes da observância das leis da Torá escrita.

Ou seja transmitia-se a metodologia para a derivação de Halachót (leis) da Torá. Este procedimento permitiu aos eruditos de várias gerações legislar a respeito de aspectos novos que não estavam explícitos na Torá escrita.

Esta derivação de leis da Torá escrita, por meio de análise e interpretação de seu texto, de acordo com regras exegéticas pré-definidas estabeleceu uma importante fonte de leis, o Midrash Halachá (raiz "Darash"= inquirir, investigar).

Estabeleceu-se também um outro tipo de Midrash, o Midrash Agadá (narrativa de tudo que não se constitui em lei) onde a leitura da Torá escrita é feita com significados diferentes daqueles que são perceptíveis a primeira vista, considerando-se apenas o entendimento literal.

Estas interpretações enriqueceram e iluminaram novas formas de entendimento da Torá escrita.

Sim... mas, por que adotou-se a transmissão oral?

Porque não se tratava apenas de um elenco de instruções processuais, tratava-se na verdade de um “curso presencial de capacitação”, capaz de habilitar aqueles que definiriam como as leis escritas deveriam ser cumpridas, em qualquer circunstância inédita que pudesse vir a ocorrer futuramente.